Aviso: O conteúdo aqui apresentado tem uma finalidade exclusivamente informativa sobre um tipo específico de jogo e como jogá-lo. O objetivo deste conteúdo não é nem promover nem disponibilizar um tipo de jogo, mas simplesmente informar o jogador acerca de como jogá-lo.
As coisas mudaram bastante para melhor nas últimas décadas. Mas como podemos ver com o aquecimento global, o cyberbullying e o surgimento do Jake Paul, o progresso muitas vezes pode ter um custo.
Hoje analisaremos os cinco principais desenvolvimentos modernos que ameaçam o poker e a sua longevidade.
Aqui estão eles, sem nenhuma ordem de importância ou notoriedade:
- Tanks Excessivos;
- Shot Clocks;
- Escândalos;
- Tecnologia;
- GTO e Solvers.
Tanks Excessivos
Uma das tendências mais irritantes dos últimos anos é o acto intencional de “tanking” adotado por alguns jogadores. Caso não esteja familiarizado com o termo, o “tanking” ocorre quando os jogadores demoram bastante tempo para realizar a sua jogada.
É compreensível que se leve algum tempo extra para minimizar as tells ou ponderar sobre uma decisão difícil, desde que isso seja feito de forma moderada. No entanto, alguns jogadores começaram a abusar do sistema, na tentativa de irritar e/ou desestabilizar os seus adversários. Se calhar eles acham que parece fixe.
Os jogadores continuam a ter o direito de ‘pedir o relógio’. (Qualquer um pode pedir ao casino para cronometrar a decisão de um jogador se ele achar que alguém está a demorar muito). Mas alguns jogadores de poker consideram isso rude e têm relutância em fazê-lo.
Um dos autores mais conhecidos desta tendência é Christoph Vogelsang. Em 2022, ele irritou muitos fãs que o viam jogar heads-up num live stream. Na partida, Vogelsang demorou uma quantidade de tempo absurda para tomar decisões que pareciam bastante inócuas.
Vogelsang afirmou que o seu tanking se devia à sua própria indecisão. Mas alguns, como Lex Veldhuis, chamaram ao tank de Christoph uma tentativa “patética” de deixar o seu adversário em tilt e disseram-lhe para “crescer”.
Uma análise no canal de YouTube Finding Equilibrium foi um pouco menos contundente. Eles argumentaram que o tanking se devia à complexidade do processo de pensamento de Christoph e à magnitude da situação.
De acordo com Finding Equilibrium, é provável que Vogelsang tenha passado este tempo extra a considerar fatores que outros jogadores não consideraram. Esse raciocínio é algo que os comentários do próprio Christoph suportam.
Essa afirmação até pode ser correta, mas se assim for, fica a questão: porque é que nem todos os jogadores de elite o fazem? E como é que ele consegue funcionar online onde cada decisão é cronometrada?
O tanking é um direito do jogador. É sensato considerar as suas jogadas o mais cuidadosamente possível antes de se comprometer com elas.
Mas a partir de que momento é que levar o seu tempo se torna absurdo? Independentemente de achar que o tanking de Vogelsang foi angle shooting, é difícil argumentar que o poker em ritmo de caracol é bom para o jogo. Como a indignação nas redes sociais mostrou, tanking excessivo arruína o poker como um desporto para espectadores.
what Vogelsang is doing in this (and every) tournament is at a minimum angleshooting (exploiting loopholes in rules for unethical gain) and every player every tournament should make sure a floor has a personal clock on him after 5 seconds, one that lasts 5 seconds too.
— Scott Seiver (@scott_seiver) June 5, 2022
Faz as mesas parecerem aborrecidas e intimidantes. Apesar de jogadores de elite como Vogelsang não estarem preocupados, é prejudicial para o ecossistema do poker. Estes shows de poker trazem muitos jogadores para as mesas, que são necessários para a longevidade do jogo.
Shot Clocks
Tanks excessivos eram um problema bem antes de jogadores como Vogelsang, especialmente em torneios de poker, à medida que a bubble se aproximava. O mão-a-mão foi introduzido para ajudar a acelerar as coisas. Mas os jogadores encontraram outras formas de abrandar o ritmo de jogo e começaram a jogar mais devagar antes do mão-a-mão.
Recentemente, os organizadores de torneios introduziram ‘shot clocks’, temporizadores que começam uma contagem regressiva quando começa a vez de um jogador agir. Quando o relógio chega a zero, a sua mão está morta e é atirada para o muck.
Os jogadores recebem uma mão cheia de fichas que lhes garantem uma extensão do tempo para decisões mais complexas. Nas WSOP 2018, por exemplo, os jogadores tinham 30 segundos para agir de cada vez e começavam os torneios com quatro fichas que lhes davam mais 30 segundos cada, quando utilizadas. Essas fichas eram reabastecidas no início de cada dia.
Shot clocks como estes são eficazes a pôr um travão ao tanking indevido, mas há alguns aspetos negativos, especialmente para jogadores recreativos.
O primeiro deve-se à pressão adicional que um temporizador insere no jogo. Os jogadores profissionais têm experiência suficiente para jogar de forma instintiva e tomar decisões rápidas e predeterminadas. Mas os amadores precisam, muitas vezes, de algum tempo para processar a sua situação e decidir o que fazer.
É provável que jogadores inexperientes se sintam mentalmente cansados perto do final de um longo dia de torneio, o que pode impedir a sua tomada de decisão. Adicionar um cronómetro amplifica esse sentimento e força-os a apressar-se, o que resulta em mais erros e uma vantagem para os profissionais.
A experiência social é uma grande parte do motivo pelo qual muitos amadores jogam poker. Por muito tempo, a oportunidade de conversar e jogar com pessoas novas e empolgantes atraiu muitos jogadores para as mesas. Os shot clocks podem meter-se no caminho desse fascínio, interferindo com o ritmo natural do jogo.
O aumento do ritmo de jogo pode tornar o jogo mais envolvente. Mas com as mãos a serem jogadas rapidamente, pode ser difícil acompanhar as variáveis cruciais, como tamanhos de stack, fase do torneio ou mudanças na oposição (variáveis que você pode verificar instantaneamente online).
Embora trinta segundos pareça uma quantidade de tempo razoável para tomar uma decisão no poker, não dá tempo para muito mais.
Os jogadores são forçados a prestar atenção ao jogo constantemente, intensificando toda a experiência. Este cenário é excelente para os puristas do poker. Mas dificilmente é a base para uma conversa significativa ou alegre.
Como resultado, os shot clocks acabam por afugentar certos jogadores recreativos das mesas.
Escândalos no Poker
Um dos impactos mais negativos vem dos recentes escândalos de batota no poker. E o facto de cada vez haver mais transmissões de jogos de poker por toda a internet, só aumenta a probabilidade de nascerem novas controvérsias em live streams de poker a cada dia.
Em termos gerais, há três tipos de acusações de batota:
- Caso 1: Casos óbvios com provas claras e/ou uma confissão;
- Caso 2: Casos não provados com base numa abundância de atividade suspeita;
- Caso 3: Casos não provados que têm poucas ou nenhumas provas.
Houve vários casos óbvios de batota no poker com dinheiro real envolvido. Embora sejam todos repugnantes, eles variam em exposição e impacto. O drama da Full Tilt e a Black Friday causaram mais destruição do que casos menos conhecidos como a ‘máquina dos sonhos’ de Fedor Kruse.
- O caso de Mike Postle é aquele que melhor representa o segundo tipo de escândalos de batota. Apesar de não termos tido uma confissão ou qualquer prova conclusiva, há provas circunstanciais suficientes para justificar uma séria acusação de batota. Embora o caso contra ele pareça condenatório, não podemos condenar Postle oficialmente como um batoteiro. Mas também não podemos ignorar as evidências.
- A controvérsia de Robbie Lew vs Garrett Adelstein é um excelente exemplo do terceiro tipo de escândalos. Adelstein acusou-a de batota com base em uma mão. Uma investigação interna, um interrogatório oficial e um teste de detetor de mentiras absolveram-na.
- A batota é, essencialmente, uma forma de roubar dinheiro à comunidade. Portanto, você pode ver casos evidentes de batota da variedade mais destrutiva. Mas as acusações de batota são prejudiciais para o poker.
Todos nós gostamos de um bom drama tanto quanto detestamos um batoteiro. Mas a realidade é que acusações de batota têm um impacto extremamente negativo na percepção da sociedade em relação à indústria do poker. Quando um caso tão famoso quanto o de Robbi Lew ou Mike Postle chega às notícias generalistas, isso reforça alguns dos estereótipos negativos associados ao poker.
Obviamente, o hype de um escândalo é muito divertido de acompanhar. Mas esse tipo de publicidade negativa provavelmente desencorajará novas pessoas de se sentirem seguras o suficiente para testar a sua habilidade nas mesas de poker. O poker depende do fluxo de dinheiro dos depósitos de novos jogadores. Portanto, o dano à reputação de um escândalo de batota tem o potencial de impactar negativamente o poker.
O abuso que os batoteiros acusados recebem nas redes sociais também não ajuda. Veja o caso de Robbi Lew, por exemplo. O seu feed do Twitter está repleto de comentários vis e insultos pessoais, apesar da existência de informações factuais que apoiam a sua inocência. Outro exemplo envolveu Alec Torelli, que foi considerado um batoteiro e atacado em 2017 depois de empilhar as suas fichas de maior valor incorretamente numa mão transmitida na TV. Esta reação faz com que a comunidade do poker pareça hostil.
Claramente, é imperativo apanharmos os batoteiros, mas o processo deve ser menos impulsivo ao lançar acusações. Pelo menos, devemos esperar até que haja provas suficientes para sustentar uma acusação de batota.
Essa abordagem dá-nos a melhor probabilidade de apanhar o culpado e evita o dano desnecessário à reputação do jogo causado por acusações falsas.
Tecnologia
O impacto da evolução tecnológica no poker nem sempre foi mau, mas o rápido desenvolvimento do poder computacional e do software de poker apresenta uma séria ameaça ao poker.
Se entrasse num DeLorean e voltasse cerca de 20 anos atrás no tempo, encontraria um momento em que softwares simples como o PokerStove e o ICMizer eram tecnologia de ponta. Apesar de serem ferramentas úteis para o estudo, esses programas eram essencialmente elaboradas calculadoras. Eles eram tão bons quanto a qualidade da informação que lhes era fornecida.
E mesmo assim, saber como usar os resultados para melhorar exigia muita habilidade. Embora pudessem ajudar no laboratório, esses programas não ofereciam assistência em tempo real nas mesas.
Mais tarde, software de tracking como o Hold’em Manager e o Poker Tracker emergiram. Estes eram muito mais poderosos e muito mais abrangentes. Estes programas usavam ficheiros de histórico de mãos para registar tudo o que se passava nas mesas e armazenar essa informação numa base de dados.
Estes programas eram excelentes para estudar porque você podia usar vários filtros para se focar numa área em específico:
- Se quisesse saber quanto dinheiro estava a ganhar com pequenos pares de mão em middle position, por exemplo, não havia problema.
- Tudo o que tinha de fazer era selecionar os filtros apropriados, e em segundos, seria capaz de examinar todas as mãos correspondentes na sua base de dados. Os resultados até seriam apresentados em gráficos todos pipis.
Este tipo de software não escapa à controvérsia. Esta tecnologia inclui um recurso conhecido por HUD. Esta ferramenta é uma sobreposição no ecrã totalmente personalizável que rastreia as mãos na sua base de dados para mostrar estatísticas sobre os jogadores que estão atualmente na sua mesa.
A sobreposição fica acima dos nomes dos jogadores e pode ser tão simples ou complexa quanto desejar. Se quiser mais informações, basta clicar no nome do jogador e selecionar um dos inúmeros menus pop-up. Até pode filtrar os dados por tamanho de stack e posição na mesa para torná-los mais precisos.
HUDs justificam a preocupação. Mas os sites de poker permitem a sua utilização porque eles não tomam decisões nem desenvolvem estratégias.
A utilidade deste software está diretamente relacionada com a compreensão do jogador sobre como interpretar os dados fornecidos. Portanto, tirar benefício dos HUDs em jogo exige intelecto e habilidade no poker.
Nesta fase da evolução da tecnologia no poker, um software como este estava a ajudar a produzir jogadores melhores e é ainda visto como uma força positiva para o poker.
GTO e Solvers
A tecnologia evoluiu nos últimos dez anos, tal como os programas de poker. Em vez de se limitarem a interpretar os dados, os poker solvers modernos produzem estratégias perfeitas e imbatíveis.
Como resultado, jogar poker perfeito é uma questão de aprender e implementar uma dessas estratégias. Não que haja algo simples nisso!
- Poker GTO perfeito é incrivelmente complicado e demasiado complexo para o cérebro humano.
- Os humanos simplesmente não conseguem rivalizar com a habilidade de um computador de processar dados.
Como simulações GTO demoram muito a serem calculadas em tempo real, vários jogadores têm usado bases de dados de situações pré-calculadas para construir as chamadas “máquinas dos sonhos”.
Embora os humanos cliquem ainda em botões, esse passo está um pouco distante de um bot de poker imbatível de GTO.
E mesmo ignorando as máquinas dos sonhos GTO, existem bots de poker, como o Pluribus e o Libratus, suficientemente fortes para derrotar os melhores jogadores humanos do planeta.
Um programa como o Pluribus é particularmente assustador. É sofisticado o suficiente para derrotar vários jogadores e custa o equivalente a $144 dólares americanos para criar (de acordo com a Wikipedia).
Estes bots podem jogar de forma pouco convencional para evitar a sua deteção no momento. No entanto, seria imprudente ignorar os potenciais perigos que os programas de computador e bots respresentam para o poker.
Apesar das preocupações levantadas aqui, o poker tem melhorado ao longo das últimas décadas. A segurança aumentou consideravelmente, as estratégias são muito mais complexas e os jogadores estão melhores do que nunca.
Quem sabe o que acontecerá daqui para a frente?