Aviso: O conteúdo aqui apresentado tem uma finalidade exclusivamente informativa sobre um tipo específico de jogo e como jogá-lo. O objetivo deste conteúdo não é nem promover nem disponibilizar um tipo de jogo, mas simplesmente informar o jogador acerca de como jogá-lo.


Tenho algo a confessar: a primeira vez que joguei num evento exclusivo a mulheres, odiei. Tanto que jurei que nunca jogaria um evento do género outra vez!

Mas agora eu acho que os eventos para mulheres são mais importantes do que nunca.

Deixe-me explicar.

Quando comecei a jogar poker com 23 anos, nunca tinha sequer ouvido falar de um evento para mulheres. Eu nem sabia o que um torneio de poker era! Tinha acabado de me mudar de Los Angeles para Washington e estava desesperadamente à procura de coisas para fazer aos fins-de-semana e formas de socializar que não envolvessem idas a bares ou discotecas. Quando o meu colega de quarto, Tom, sugeriu que visitássemos o novo casino que tinha acabado de abrir perto de onde vivíamos, eu disse imediatamente que sim e sentei-me pela segunda vez numa mesa de poker num casino sem qualquer hesitação. Eu era destemida.

Tendo crescido com um pai que joga poker (conquistámos o terceiro lugar como dupla no evento Tag Team das World Series of Poker em 2021), entrei no jogo sem estigma, reservas ou nervosismo. Apesar de mal saber como jogar, achei simplesmente que era divertido – não havia qualquer terror de minha parte. Especialmente a jogar num novíssimo e luxuoso casino cheio de senhoras de vestido e homens de fato, as minhas primeiras impressões sobre a vida de casino foram tudo menos vulgares. Pelo contrário, eu via a sala de poker como glamorosa e sofisticada.

Agora compreendo que eu era a exceção.

Antes de explicar, gostaria de fazer uma pausa. Sim, a minha atitude descontraída de quem pode fazer qualquer coisa era única entre mulheres, mas não entre mulheres profissionais de poker. A maioria das profissionais de poker partilham uma atitude competitiva e destemida. As mulheres de sucesso com quem falei no mundo do poker também descrevem as suas primeiras aventuras nas mesas com excitação e não de forma reservada. A grande maioria desta geração de mulheres no poker nunca começou por jogar num evento para mulheres. Na verdade, elas gostavam era de batalhar contra os homens.

O que aprendi é que, embora isso seja comum entre os líderes da indústria de hoje, não é nada comum para a nova classe de mulheres caloiras – o grande público. À medida que a comunidade de poker tenta ampliar a sua rede para ser mais inclusiva, também precisa de reconhecer que estamos a lidar com um grupo demográfico diferente. Não, não me refiro a mulheres. Refiro-me a um tipo diferente de mulher.

eventos mulheres poker ao vivo

Durante a pandemia, fui contratada por uma organização chamada Poker Power. A sua missão envolvia não só ensinar mulheres a jogar poker (já tiveram mais de 30.000 alunas nas suas aulas até ao momento), mas também ensinar mulheres de negócios. Eles queriam alcançar os líderes corporativos. Mulheres bem-sucedidas em posições de poder com as suas famílias e empregos bem remunerados. Não jovens de 23 anos como eu que procuram algo para fazer numa nova cidade. Estas mulheres tinham vidas.

Eles queriam alcançar um tipo de mulher ainda mais raro no poker do que a profissional estabelecida ou aspirante: jogadoras recreativas.

As mulheres são já uma minoria nas mesas de poker. Mas as mulheres que você vê têm tendência a ser mais novas, na casa dos 20 anos (como eu), ou jogadoras mais velhas cujos filhos já são adultos e/ou cujas carreiras já culminaram na reforma. A única coisa menos comum do que uma mulher numa mesa de poker é uma mulher na casa dos 30 numa mesa de poker. Há simplesmente muito, muito poucas.

A Poker Power procurava mudar isso. Queríamos explorar uma nova fronteira. Queríamos alcançar mulheres que não iam perder 3 horas do seu dia a estudar tabelas pré-flop, a ver vlogs de poker no YouTube e a ler o Super System. Queríamos alcançar mulheres que estavam ocupadas.

Inicialmente foi fácil. Uma hora por semana para ensinar o básico e meter as mentes a funcionar. Elas reconheceram imediatamente que o poker é um jogo mental; e ainda que não fosse a sua principal prioridade, elas estavam encantadas e intrigadas.

Nós achávamos que quando as salas de poker reabrissem, ia ser facílimo levá-las para as mesas. Estávamos erradas.

Independentemente do quão brilhantes, talentosas e bem-sucedidas fossem as nossas alunas – pioneiras nas suas áreas – elas estavam completamente aterrorizadas de entrar num casino. Até passámos mais de um ano a treinar as nossas quatro estudantes mais entusiasmadas para serem assistentes de professores, mas quando chegou a hora de começar a jogar em ambientes reais, três delas desistiram. Elas nem sequer puseram os pés numa sala de poker. Tinham passado quase dois anos a viver e respirar poker, mas quando chegou a hora de jogar na vida real, acobardaram-se. 

E as restantes estudantes não foram melhores. Não conseguia perceber – o que é que era tão assustador? Elas frequentaram um programa de 12 semanas e nunca quiseram se formar. 

Há alguns meses atrás, entrevistei a Diretora de Educação da Poker Power, AJ Rudolph. “A principal missão da Poker Power é ensinar mulheres a jogar poker”, comecei por dizer. “O que a surpreendeu mais ao ensinar nestas aulas?”

A maior surpresa para mim é que, como a maior parte do nosso ensino é feito virtualmente e online, o maior obstáculo para as mulheres superarem é jogar poker ao vivo”, disse ela. Não só ela disse que “superar esse obstáculo foi muito mais difícil do que esperávamos [para as mulheres]”, mas, tal como eu, isso nunca foi um problema para ela. A senhora Rudolph nunca teve dificuldade em jogar poker em jogos caseiros ou em ambientes de casino. Foi apenas esta geração seguinte que parecia ter essas confusas inseguranças.

Havia apenas uma forma de as mulheres estarem dispostas a jogar poker na vida real – Eventos para Mulheres. Até hoje, existem membros da equipa responsáveis pela parte comercial da operação que evitam participar de qualquer outra forma. Esta é a oportunidade delas. Esta é a sua chance. Só isso.

É por isso que nós, mulheres profissionais de poker, nem sempre somos as melhores para replicar. Não precisámos de Eventos Femininos para começar – mas elas precisam. Elas são o público-alvo. Elas são as mulheres comuns. Elas são a maioria.

Nós não somos. Se realmente queremos atrair mais mulheres para o jogo, devemos ouvir as vozes mais numerosas, não as mais altas. Precisamos ouvir as mulheres que têm medo. Não as mulheres destemidas.

E o que essas mulheres querem são Eventos Femininos.

mulheres no poker

Vou terminar este artigo com mais uma confissão: este texto foi inspirado por um tweet. A minha colega instrutora da Poker Power, Kyna England, chamou a atenção para o planeamento inadequado em torno do Evento Ladies das WSOP 2023, onde as mulheres foram separadas em duas salas e não puderam compartilhar o mesmo nível de camaradagem social. 

Eu concordei com a visão da Kyna; achei que foi uma boa observação. Ela abordou as preocupações das mulheres mais vulneráveis e sensíveis na sala. Aquelas que estão a participar num torneio apenas nesta época do ano e fariam qualquer coisa para ver um rosto familiar.

Mas as pessoas nos comentários foram insensíveis e agressivas. Acusaram-na de reclamar desnecessariamente e de se focar em queixas menores e insignificantes. Claramente, nunca viram o medo nos olhos das centenas e centenas de mulheres que ensinei a jogar. Acharam que, como não se conseguiam identificar com o problema, não era real.

No entanto, o comentário que realmente me irritou foi este:

comentário twitter evento ladies wsop 2023

[O objetivo era aumentar o número de participantes e ajudar as mulheres a sentirem-se confortáveis a jogar poker junto de homens. Se um field aumenta (um aspeto positivo), pode dividir-se. As profissionais de poker podem dar o exemplo de que conseguem adaptar-se à mudança. Isolar o evento feminino das WSOP cria uma bolha e abranda o crescimento.]

Aparentemente, dividir o field em duas salas tinha como objetivo fazer as mulheres sentirem-se confortáveis a jogar junto de homens... o quê? Desde quando é que o objetivo de um evento feminino é aproximar as mulheres dos homens? Tal como a minha experiência de iniciante demonstrou e a experiência de ensino de AJ reforçou, estas mulheres sentem-se demasiado intimidadas para algo tão simples quanto sentarem-se nas mesas. Com certeza, isto não é ouvir as mulheres que mais precisam de apoio. A abordagem “elas vão-se habituar, vamos metê-las no meio dos homens” apenas funciona para mulheres que nunca precisaram de um evento feminino para se sentar na mesa de poker. A prova de fogo não funciona para todos. Confie em mim, nós tentámos.

Por fim, afirmar que presumivelmente, as jogadoras profissionais de poker podem “dar o exemplo” e “adaptar-se à mudança” é insultuoso para os amadores e profissionais. Eu nunca conheci uma mulher profissional de poker que precisasse de Eventos Femininos ou espaços exclusivos para mulheres para começar a jogar... nunca. Não houve resistência da nossa parte para incorporar inovação ou mudança. Nenhuma de nós está presa a estruturas rígidas ou espaços seguros isolados só porque são mais confortáveis. Mas não somos o público-alvo. São as mulheres que se sentem desconfortáveis com torneios de poker ao vivo que precisamos de ouvir e levar as suas preocupações a sério.

Expandir o jogo significa alcançar públicos não explorados – não podemos presumir arrogantemente que o que funcionou para nós automaticamente funcionará para elas. Uma verdadeira liderança não é dizer a alguém o que fazer e exigir que o façam. Verdadeira liderança trata-se de inspirar alguém a querer avançar – nos seus próprios termos. A única forma de o fazer é garantir que a pessoa se sinta respeitada e ouvida. Não pressionada prematuramente.

Eu tentei demasiadas vezes levar jogadoras de poker novatas comigo... não funciona. Elas precisam de se sentir confortáveis. Tão simples quanto isso. Se não estiverem confortáveis, não vão.

Por isso, o que precisamos de fazer é perguntar o que as fará sentir-se mais relaxadas. E uma grande quantidade de vozes estão a dar-nos a mesma resposta. Elas querem espaços exclusivos a mulheres, ou seja, Eventos Femininos. 

E nós devemos escutar.

Amanda é a autora do livro A Girl's Guide to Poker, dedicado a tornar o poker amigável e acessível para todos. Em 2021, ela foi finalista nas World Series of Poker, onde ela e o seu pai ficaram em terceiro lugar no evento tag team.